sexta-feira, 5 de abril de 2013

Antes de mais, quero agradecer toda a ajuda e apoio de amigos, órgãos de comunicação e jornalistas. Sem eles não teria sido possível tornar visível o iníquo que é fazer com que desempregados sem rendimentos paguem impostos.
A verdade é que se voltasse a fazer a carta, e de acordo com mensagens que me fizeram chegar, faria também referência ao Estado de Necessidade (o qual consiste, como saberão, em autorizar o incumprimento de uma obrigação legal com o intuito de evitar um dano maior) e ao Princípio da Proporcionalidade (o qual se baseia em três noções: A adequação – que estabelece a conexão entre os meios e as medidas e os fins e os objectivos; a necessidade – que se traduz na opção pela acção menos gravosa para os interesses dos particulares e menos lesiva dos seus direitos e interesses; e o equilíbrio – proporcionalidade em sentido estrito, que estabelece o reporte entre a acção e o resultado. Tem por base o Artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa - Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé. Além disso, sugeriram-me que usasse um advogado do IEFP para ir a tribunal. Afinal, nem todas as pessoas sabem que um desempregado não tem de pagar despesas de justiça.
Gostaria de deixar claro que me vi na necessidade de ir ao Provedor simplesmente porque não vi qualquer outra alternativa. Via perfeitamente que o dinheiro ia acabar e que isso me obrigava a reduzir rapidamente os meus gastos. Foi por isso que adoptei a mesma lógica que o actual governo usa: priorizar os gastos. A diferença é que, para mim, não faz sentido que eu obrigue os meus filhos a passar fome para pagar impostos. É fácil entender porquê: o dinheiro recolhido via impostos e taxas condena as crianças a passar necessidades em vez de garantir que tal não acontece. Mais grave do que isso é que o faz como se isso fosse uma inevitabilidade, uma Lei da Natureza, e não uma decisão consciente de alguns homens.
Agora que consegui trabalho, além de desejar voltar a ser um cidadão anónimo, quero dizer que vou pedir a anulação do processo que iniciei junto do Provedor de Justiça. Os fundamentos enunciados deixaram de se verificar. Isso não significa de forma alguma que deixe de estar solidário com o milhão e meio de trabalhadores desempregados e principalmente com o meio milhão de desempregados que não tem qualquer rendimento mas que, mesmo assim, tem a obrigação de pagar impostos. É completamente o contrário. Depois de me ver nessa situação, ou seja, ao sentir que a cada dia que passava me tornava mais ilegal por não cumprir a lei vigente e, em consequência disso, estava a ficar cada vez mais fora da sociedade, compreendi que se continuasse à espera que outros fizessem algo por mim e pela minha família isto não iria acabar bem. Recusei ser mais um ser passivo e decidi estudar uma forma de contrariar isto. O tempo em casa foi passado a ler. Entre outras coisas, quis perceber o que Gandhi fez ao começar a Marcha do Sal. Trata-se simplesmente de recusar uma ordem que não faça sentido mas que seja aceite por todos sem questionar, só porque é tradição. Quis, mais do que isso, encontrar uma solução que resolvesse as dificuldades de todos os que se encontrassem na minha situação através da resolução do meu problema pessoal. Por outras palavras, o que eu pretendia era que o meu acto individual se pudesse reproduzir àqueles em situações semelhantes, na tentativa de garantir uma resposta favorável e uma solução concreta.
Finalmente, gostaria de deixar claro que a minha relação laboral com a NBC Medical nada teve a ver com a carta que entreguei ao Provedor de Justiça. O meu actual estado não surgiu em consequência do documento entregue. Há uns meses atrás tive uma primeira conversa telefónica à qual se seguiu uma entrevista pessoal. Como tive, aliás, com outras empresas durante os dois anos em que estive desempregado. No entanto, ao mesmo tempo em que se deu o término do subsídio de desemprego (na sexta-feira, dia 22 de Março, confirmei que já não o recebia), começaram a chegar os impostos para pagar - tornou-se evidente que já não podia continuar a empurrar o problema com a barriga. Também não chegavam propostas de trabalho. Optei, então, por contactar o Expresso e, desse contacto, resultou uma entrevista que se concluiu na quarta-feira, 27 de Março. No dia seguinte recebi uma chamada na qual me convidaram para uma reunião onde me concretizariam uma proposta. A reunião decorreu nessa sexta-feira de Páscoa, às 10 da manhã... dia em que se tornou pública a já referida entrevista onde eu afirmei que iria proceder à entrega do documento na terça-feira seguinte. Antecipando uma eventual dificuldade, pareceu-me melhor pedir tempo para pensar, tendo o cuidado de enviar por e-mail não só o artigo do Expresso mas também o conteúdo da carta que ia entregar. Entreguei a carta ao meio-dia, conforme tinha tornado público e, depois de almoço, recebi uma chamada da NBC Medical para uma nova reunião no dia seguinte de manhã (quarta-feira, dia 3 de Abril), Assim, nesta quinta-feira, a NBC Medical e eu próprio começámos a fazer um caminho em conjunto. Não podia por isso deixar de frisar a tolerância e a confiança em mim depositadas que me permitem realizar enquanto pessoa útil para a sociedade e como cidadão, e que principalmente possibilitam assumir as minhas responsabilidades para com a minha família. Como tantos outros cidadãos deste país, apesar de desempregado, não deixei de ser visto como uma pessoa útil e necessária à sociedade.
Esta é pois uma mensagem de esperança para os desempregados: não desesperem. Em vez disso tomem nas vossas mãos o rumo das vossas vidas. Como disse Machado: "caminante, no hay camino, se hace camino al andar".

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